Monday, September 10, 2012

De bicão em outra confraria

  O João Paulo, da Confraria do Ciao - de onde participa, dentre outros, o Flávio do vinhobão - convidou-me para uma degustação em sua casa, onde outros bicões também se encontrariam. A promessa era de abrir "um bom Barolo", o que deixou-me duplamente preocupado: esse tipo de vinho, para mim, ainda precisa ser devidamente desvendado, e, oh dúvida, o que eu levaria para acompanhar algo nesse quilate? Procurei, pensei, pensei, fui conversar com o Flávio. Mencionei uma opção que nem ele nem o João haviam bebido. Com ela debaixo do braço, fui embora.
Este enochato com os vinhos da degustação: 
Marques de Murrieta Capellanía, Decima, Vibo, Paulo Scavino, 
Fulvia e para finalizar um Bacalhôa Moscatel de Setubal.

   É claro que o início dos trabalhos deu-se com o branco Marqués de Murrieta Capellanía 2006, de Rioja, 13,5% de álcool, da variedade Viura, até então desconhecida para mim, e que uma rápida pesquisa ajudou a desvendar: também conhecida por Macabeo, é ainda cultivada na França e na Itália. Rioja tem uma classe de vinhos brancos que dá para mastigar; o Tondônia é um deles, e este Marquês mostrou-se seguir na mesma linha - embora, parece-me o Tondônia permita uma mastigação mais completa (rs). Esse tipo de vinho, ao contrário dos brancos comuns, tem meia vida bastante grande, estendendo-se por uma década ou mais. É alegremente floral, mas não consegui pegar muito mais detalhes nele; falta de conhecimento típica de bebedores de tintos.
   Pulando para o tipo de vinho que conheço mais, prenunciou-se o primeiro papelão. O danado chegou "encapado" por aquele nos brindou com a experiência, o sommelier Mario Mucheroni. Após a devida apreciação, ele jogou a pergunta: qual seria a cepa? Passei de cara, embora os experts chutassem Tempranillo ou Cabernet Sauvignon. Redondo, frutado, 13,9% de álcool bem integrado, mas não notei tanta complexidade. Descortinado, revelou-se o Decima Gemina, Gran Reserva 2005 de um Tannat que em nada lembra a potência (e algumas vezes a baixa qualidade) dos vizinhos uruguaios. Este vinho nacional, produzido pela Piagentini - aquela mesma que produz, ou produzia, vinhos suaves de garrafão de 5 litros dos quais lembro-me muito bem da minha infância - estagia 24 meses em barricas de carvalho. Procurei o preço internet afora, sem sucesso. O próprio sítio não funciona adequadamente, o que é uma pena, para não dizer uma incompetência. A confirmar, mas o Flávio mencionou que fica na faixa de R$ 100,00. Aí não! Ok, qualitativamente está na faixa de um Gran Tarapacá (que é apenas reserva), mas este custa uns R$ 35,00. Parece que produzir vinho no Brasil é assim: 5% de transpiração e 95% de marketing, acreditando que o consumidor é idiota. Na verdade, a grande maioria o é. Só não venham me pedir para participar desse grupo. Como dizem, por favor, incluam-me fora dessa (rs).
   O outro lado desta cerca (se existe cerca nesta conversa) é que, se você admite pagar mais de cem reais por um vinho, sem abrir mão (rs) de complexidade e elegância, então o seu vinho é aquele que eu levei para o embate: o Vibo 2007. Produzido na Argentina pela chilena Viu Manent, este 100% Malbec estagia 18 meses em carvalho francês de primeiro uso e, é claro, está acima de qualquer linha Gran Reserva sul-americana. Seu preço, a comparar com o Decima, é compatível com o de um vinho uma escadaria acima: entre R$ 190,00 e R$ 210,00. É claro, ainda muito caro (paguei exatos R$ 62,00 no Chile, o que dá uma razão "pior que" 3 x 1). Já havia provado junto do Viu One, e realmente o Vibo é a "expressão feminina" deste; enquanto o anterior mostra a potência característica do Chile, Vibo tem mais elegância, nariz complexo, boca aveludada e bom final.
   Mais ou menos em paralelo chegamos ao Paulo Scavino 1997, o barolo que o anfitrião João Paulo prometera e honrou. É feito de Nebbiolo (claro), com 14,5% de álcool que não aparece no conjunto da obra. Mesmo para este novato nas lides barolistas (sic) a maciez deste exemplar de 15 anos não deixa dúvida quanto a de tratar-se de um bom vinho. O tempo amaciou seus taninos; a fruta estava menos intensa do que nos barolos mais jovens que experimentei, e acho que os especialistas poderão falar mais e melhor deste vinho. Certo, Flávio? Não há dúvida quanto ao final: tão redondo quanto a entrada na boca, agradável, longo.
   O problema (para o anfitrião, apenas), foi que, chegado ao final, os convivas olharam-se entre si, na expectativa (rs). Valente e generoso, o João ainda brindou-nos com o Fulvia Pinot Noir 2011, do Atelier Tormentas. Marco Danielle, o vinhateiro, é "de tudo um pouco": além de cuidar da produção, é também fotógrafo e artista plástico, à medida de cria os próprios rótulos, muitas vezes usando recursos fotográficos. Este Fulvia foi de fato um caso à parte na minha pouca experiência em vinhos exóticos. Talvez não tão exóticos, porque lembra os autênticos borgonhas, segundo alguns dos presentes, mas vinhos como esses ainda são exóticos para este dublê de colunista com pouca experiência em vinhos europeus. O que conta é que gostei muito. Muito superior aos nacionais recém-comentados nesta postagem e na anterior, é uma iguaria para causar espanto e surpresa; se eu tivesse de levar um vinho brasileiro para a mesa de eventuais amigos de outros países (principalmente sul-americanos), esta seria minha escolha. Ótimo buquê, agradável na boca, com final. É um pouco caro R$ 120,00 (na data desta publicação ainda conta com 30% de desconto para compra antecipada da próxima safra, com entrega em 2013), mas é algo justificável pela produção reduzidíssima (1.800 garrafas) e pela qualidade que oferece. Uma produção séria, que vem ganhando reconhecimento a cada safra. Parabéns ao produtor, parabéns ao João pela generosidade.
   E, para completar (ainda tem mais?!), apareceu tímido, cabisbaixo (rs), um Moscatel de Setúbal 1999, do vinícola Bacalhôa. A casta deste vinho de sobremesa é ela mesma, a Moscatel de Setúbal, e este vinho produzido no Azeitão estagia 8 anos em meias pipas de carvalho. Meia pipa é como chamam em portugal a popular barrica de 220 litros... Bem, este vinho não tinha porque apresentar-se tão timidamente, porque também é bastante interessante. Seus 18,5% de álcool, típico de vinhos de sobremesa, estão bem integrados, o vinho tem ótimo buquê, bastante cítrico, e sabor muito agradável. Bom final; fiquei com a garrafa e enquanto escrevo esta postagem com ela ao lado, notei um fundinho na garrafa. Retirei a rolha e o buquê ainda estava lá. Muito bom.

5 comments:

  1. Boa postagem Carlão! Quanto ao Décima, ele não custa 100, e sim, por volta de 50. Só que não se encontra o danado. É um preção para a qualidade dele (embora lhe falte um pouco de tipicidade da Tannat...).
    Abração,
    Flavio

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  2. Oi Carlão,
    Ótima postagem. Fiz um comentário mas sumiu... Algum hacker que não gosta de vinho...rs.
    Então, o Gravonia (da Tondonia), como aquele que levei na sua casa aquele dia, é feito com Viura. Os outros Tondonias brancos têm uma pitadinha de Malvasia. Segundo o Mário, o Décima custa por volta de 50 pilas, o que é um ótimo preço pela qualidade dele (embora eu ache que lhe falta um pouco de tipicidade da Tannat).
    Abração,
    Flavio

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  3. Flávio, obrigado.
    E olha, recebi msg das duas postagens... vai saber.
    Não havia notado a cepa do Gravonia - coisa de amador. Sobre o Décima, por R$ 50,00 fica mais palatável e dá para recomendar ao escasso leitor que experimente, pelo menos. Mas fica uma pergunta: falta a tipicidade da Tannat ou o que vimos no Décima é a expressão da Tannat nas terras brasileiras?

    []s,
    Carlos

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    1. Bem, eu acho o Décima, por 50 pilas, um preção, pois o vinho é muito bem feito e superior a muitos por aí.
      Então, quanto à sua pergunta sobre a tipicidade, acaba sendo a mesma coisa, ou seja, Tannat em terra brasileira não consegue apresentar as características originais da Tannat (densidade, rusticidade e tanicidade), coisa que a original francesa e a uruguaia têm (embora infelizmente esteja internacionalizando o uruguaio para deixa-lo mais macio). É similar ao que os franceses dizem da Pinot fora da borgonha: é tudo, menos Pinot...rs. (com poucas exceções que se aproximam, claro).
      abs,
      Flavio

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  4. Ah... (rs).
    Sabe, acho que a conversa vai longe... melhor marcar um vinho para discutirmos a questão...
    []s,
    Carlos

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