Sunday, November 11, 2012

Se Baco não ajuda, o acaso não falha

Para quem leu a última postagem, saiba desde já que Baco não me iluminou. Mas o acaso ajudou um pouco, e no final o resultado foi (quase) o mesmo. Do começo...

Numanthia, o vinho

   O Flávio já falara muito sobre esse vinho antes de eu experimentá-lo pela primeira vez. Aconteceu no começo deste ano: cheguei na casa dele e lá estava o danado, safra 2000, aberto havia quatro ou cinco horas. Junto do Akira, bebemos um tanto para chegar à conclusão de que o vinho estava fechado, ainda. Resolvemos deixar o vinho aberto mais um dia - a meia garrafa ficou fora da geladeira, para permitir que o vinho continuasse a evoluir (a temperatura menor retardaria o processo). No dia seguinte, às 20:00, estava uma maravilha. No nariz, era algo de indescritível, pois o preenchimento era tridimensional (rs). Não consigo explicar melhor; nunca um buquê me vez sentir volume, se o leitor compreende. Na boca... bem... seco, muito seco, e ao mesmo tempo o veludo em pessoa. Pode dar-se ao luxo de não acreditar, caro leitor, que eu sequer o culpo. Mas saiba que o mundo existem dois tipos de pessoas, aquelas que não acreditam e não acreditarão jamais, e aquelas que um dia experimentarão um Numanthia (rs); todos os outros já sabem do que eu falo.
   Foi mais ou menos assim, (bem) pouco escolado, que abri uma garrafa no Numanthia 2007: abertura da garrafa na quarta-feira, às 16:00, com uma pequena peneira em cima (para evitar a entrada de minúsculos intrusos alados que certamente seriam chamados pelo buquê). Lá pelas 20:30, retirei um pouco. Isso abriu a área de troca, e assim o vinho ficou até o dia seguinte quando, às 16:00, ele foi para o decantador. Às 19:00 o decantador foi para a geladeira, e às 20:00 eu estava chegando na casa do Dr. Marcão (rs), onde o vinho continuou na geladeira até às 21:00, quando foi levado à mesa. Começamos a degustá-lo por volta das 22:00. Mas antes disso, teve mais...
   O Marcão queria começar com algo mais leve, e encontramos na adega dele um Dancing Bull Zinfandel 2010. No contra-rótulo, a informação de ser produzido em Modesto (Califórnia), região desconhecida para mim, pela vinícola de E&J Gallo. Acontece que os produtores são bastante conhecidos - e respeitados - por quem já leu algo sobre a história dos vinhos nos EUA, onde os irmãos Ernest e Julio Gallo começaram suas plantações há 75 anos. Com vinícolas ou parcerias nos principais países produtores de vinho do mundo - da Argentina, chega o mais ou menos famoso Alamos, produzido com o grupo Catena - vão deixando sua marca por onde passam. O Dancing Bull é de fato bastante leve, deliciosamente frutado e bem redondo. O preço, beira ao pornográfico, é claro: custa R$ 80,00 aqui, sendo "lá" vendido abaixo de US$ 10,00. Não queiram me convencer que compensa ser sócio deste ou daquele grupo para comprar por R$ 64,00; eu não me filio a nenhum clube que me aceite como sócio.
   E não é que o canalha do Endrigo tentou fazer concorrência com o Numanthia? E quase conseguiu! Apareceu lá com um Finca Resalso 2009, com cara de quem não sabe nada, como que chegando naquele momento, observando a paisagem... eu não conhecia, mas bati o olho no rótulo e, acima de Resalso, em letras miúdas e em tipo que imitava a escrita cursiva, um discreto Emílio Moro. Bem, a Bodega Emilio Moro está entre as mais conceituadas da Espanha, e seus ícones alcançam preços elevados mesmo no mercado americano, com pontuações tão elevadas quanto os preços. Pelo preço que ele disse ter pago (uns R$ 50,00), tomei como um possível vinho de entrada do produtor - descobri que é mesmo o produto mais simples da casa. Produzido na região de Ribera del Duero, é um varietal 100% Tinto Fino, uva também conhecida como Cencibel e ainda Tinta del País. Em Portugal é denominada Tinta Roriz e aqui no Brasil é melhor conhecida um nome bastante estranho: Tempranillo. O selinho de 89 pontos da Wine Spectator atiçou ainda mais a curiosidade. É claro que o mercado foi inundado por espanhóis 90-93+ RP a preços similares; é claro que uma degustação criteriosa colocaria algumas pontuações sub judice, como apontou o Vinhobão, mas para mim o nome falou mais alto (embora nome nem sempre garanta qualidade, eu sei). Mas o desavergonhado mostrou-se muito bom... madeira discreta e fruta muito evidente, paladar agradabilíssimo. Muito estruturado, evidenciado pela boa integração dos seus 14% de álcool ao conjunto e pelo balanço entre os taninos (quase nada adstringente) e a madeira. O final é longo, e o depois, na forma de retrogosto, é verdadeiramente prazeroso. Tem aquela conversa de um avaliador do grupo do Robert Parker ter levado alguma propina para melhor avaliar vinhos espanhóis e argentinos. A propina foi para o bolso dele, e não do grupo do Parker, diga-se. Certamente Emilio Moro não pagou; a pontuação relativamente baixa pela sua qualidade frente a outros muito melhor avaliados deixa isso bem evidente. Curiosamente, seu importador não é conhecido por margens... digamos... dignas... devem ter errado no preço. Esqueça os outros espanhóis 90+ por R$ 50,00; compre este belo 89 pontos e seja feliz.

E agora... de volta ao tão falado Numanthia 2007. É produzido em Toro, região próxima ao noroeste de Portugal, cuja história vinífera remonta os tempos do império romano. Os parreirais possuem entre 50 e 120 anos, e a uva usada é a Tinta de Toro. É claro, também atende por outros nomes: Tinta Madrid, Tinta Monteira, Tinta do Inacio, Tinta do Pais, Tinta Fina... e... sim, Tempranillo. Então, 28 ou 29 horas após a abertura da garrafa, passando as últimas quatro ou cinco horas em decantador (o acréscimo da quinta hora é o tempo de retirada da geladeira até o início dos trabalhos degustativos - sic), encontramos um vinho com bastante fruta, madeira bem presente e taninos concentrados. Curiosamente - acredite se quiser - aveludado, apesar de bastante seco. Para quem conhece pouco de vinho - como eu - é uma experiência única. Nada pode ser comparado a um Numanthia (exceto, talvez, um Termanthia - risos!). E quando eu digo que Baco não ajudou, é porque, sensação geral, o vinho não estava assim tão pronto! Algo de meio fechadão ainda pairava no ar. De qualquer maneira, servido com uma picanha deliciosamente preparada, compôs um conjunto divino. Para uma quinta-feira, próximo da meia-noite, o grupo resolveu encerrar atividades, embora sobrassem uns dois dedos no fundo do decantador. Resultado: decantador de volta para a geladeira, e, às 19:00 do dia seguinte, o decantador estava presente em nossa happy-hour na Mercearia 3M. Por lá, Don Flávio Vinhobão Silva, Don João Paulo Scavino (risos! O JP havia me convidado para um Barolo Paulo Scavino, descrito aqui, e agora ficou JP Scavino), o Caio e o Tião, que batalharam entre si por alguns microdedos (rs) de vinho. E como estava redondo... o comentário do Marcão resumiu tudo: - Agora sim está muito bom, bem melhor do que ontem! Portanto, se Baco não me iluminou, pelo menos o acaso fez com que sobrasse um tanto de vinho que pôde ser devidamente apreciado um dia depois. Não decaiu em nada, antes, tornou-se mais agradável, mais redondo. Outras 24 horas de decantação fizeram-lhe bem.

Conclusão

Numanthia de safras recentes (talvez 2003 para cá): decante por 36-48 horas, sem medo nem dó. Abra e coloque no decantador mesmo! Sem geladeira, que a temperatura baixa retardará a evolução do vinho. Não esqueça de uma peneirinha na boca da garrafa, para evitar insetos lá dentro. Safras mais antigas, como a 2000 que o Flávio nos brindou, possivelmente 24 de decantador produzirão bons resultados - mas eu acho que o bom mesmo seriam 36 horas. Dito isso, ajuste bem a abertura da garrafa com a hora da degustação. Se tiver oportunidade, experimente um microdedo logo na abertura, outro com 12 horas e ainda outro com 24 horas. Será uma experiência arrebatadora.

4 comments:

  1. Grande Carlão!
    Provavelmente, em pouco tempo, dificilmente alguém conhecerá tanto os Numanthia quanto você. Não só pela coleção (rs), mas também pelo entendimento de como apreciá-lo. Sorte sua, e da gente que está perto (rsrs).
    Um vinhaço, sem dúvida!
    Abraços,
    Flavio

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    1. Ah, só para complementar: Ficou ótimo "JP Scavino"!!! rsrsrs...

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  2. Só espero me lembrar de tudo isso quando for abrir a próxima garrafa...
    Sobre o JP... acho que nasce uma lenda... (rs).

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    1. kkkkk... Não se preocupe: vinho bão faz bem prá memória!!!
      abs,

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