Friday, December 19, 2014

As marvadezas do Renê

- Estou indo armaaado. - Assim anunciou o Renê que me faria uma visita. Esticou um pouco a sílaba do meio, como ele gosta de fazer, e atalhou: - E ele é marvaaado.
Claro, "ele" era uma referência ao vinho que traria. O Renê foi uma das primeiras pessoas do círculo que detectou a chegada de vinhos espanhóis a preço e qualidade competitivos com os sul-americanos, importados pela Grand Cru. Sua apresentação do Casajus Splendore e do Embocadero chamaram-me atenção para o Xabec, o Señorío del Tallar  e o Sabor Real Viñas Centenárias, dentre outros. Sem imaginar o quanto de má intenção ele traria debaixo do braço, desci na adega e fiquei olhando. De repente, encontrei uma opção que poderia contrapor a algo "marvaaado" que o Renê pudesse trazer. Estava avisado de que o Marcelo também viria; o gosto dele cai para os chilenos, ele havia dito explicitamente no último encontro, então eu pensei que com minha escolha eu estaria bem. Acabei depenado. Sem mais rodeios, vamos a eles:

Os fatos

   Fato 1: não duvide do Renê quando ele diz que está armaaado.
   Fato 2: não confie em alguém que diz gostar de chilenos e apresenta um espanhol; dizer que gosta de chilenos, estou aprendendo, é uma boa desculpa para que se cometam hechos traicioneros. Foi o que o Marcelo perpetrou.

Os vinhos per se

   Lá chegaram o Renê e seu Catena Zapata Estiba Reservada 2003, o Marcelo e seu Mencía LB (Luna Beberide) 2009, enquanto eu apresentei um Errazuriz Max Reserva CS 2008.
   Olhei para o vinho do Renê e só pude comentar um "não vale..." meio sufocado. É claro, desse produtor são-me bem conhecidos as já boas linhas D.V. Catena e Angélica Zapata (preços de R$ 90,00 a R$ 200,00), então eu sabia estar em frente a algo de maior quilate.
   - Trouxe de Dubai - comentou o Renê, passando por cima do meu protesto. - Não deve ter saído mais do que 60 Dólares; é o máximo que pago por um vinho sul-americano.

Falando dos vinhos

  • A Catena tem um sítio muito bem organizado, e sobre a safra 2003 a opinião dos enologos da bodega é:
A safra 2003 é a primeira em que outros varietais alternativos têm alcançado uma magnífica qualidade. O Cabernet Franc e o Petit Verdot do vinhedo Uxmal serão interessantes componentes em nossos vinhos finais. O Malbec também se colheu com níveis ideais de madurez.Sem duvida, a estrela da colheita 2003 foi o Cabernet Sauvignon.
  • O sítio da Errazuriz também é bem organizado, e a ficha técnica do Max Reserva pode ser encontrada aqui.
  • A Luna Beberide é uma bodega estabelecida em Bierzo, no noroeste espanhol, e tem na Mencía sua uva autóctone. O sítio é simpático, e a ficha técnica está aqui.

Como resumo da ópera, temos, para comparação de vinhos e preços:
  • Catena Zapata Estiba Reservada: 14% de álcool, estagia em barris de carvalho francês novas por 24 meses, tem sugestão de guarda de 10 anos. Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc, Petit Verdot e Malbec. Preço: R$ 533,00 - R$ 715,00 - USD 60,00 (maisonbertin.com.br/Mistral/Freeshop Dubai).
  • Errazuriz Max Reserva: 14.5% de álcool, estagia em barris de carvalho por 12 meses, 88% de CS + 12% de Cabernet Franc. Preço: R$ 105,00 (Vinci).
  • Mencía LB: 13,5% de álcool, fermentado em tanques de aço inóx, 100% Mencía. Preço: R$ 65,00 (Via Vini).
Já em qualidade...

  • Mencía LB: vivo, pronto para beber. Boa fruta, sem excessos. É um vinho de corpo médio onde a acidez não se sobressai; pelo contrário, combina bem com os taninos e produz um efeito de boa persistência e retrogosto agradável. Apareceu algo como couro, ou chocolate, depois de aberto. Por comparação, a R$ 65,00, é um bom concorrente de mercado. Lá fora custa a bagatela de 4 euros(!), o que o coloca como caríssimo mesmo dentro do padrão médio dos vinhos vendidos ao nosso desavisado consumidor.
  • Errazuriz Max Reserva: Errazuriz é um dos produtores que mais gosto do Chile. Não provei safras mais novas, mas este 2008 ainda é bem "das antigas": fruta viva, boa acidez e intenso na boca, cujo equilíbrio proporcionou-me as sensações agradáveis de sempre. Com a evolução, apareceu café (chocolate? - rs!), garantindo mais alguns goles de puro prazer. O final é bom, persistente e o conjunto faz juz à fama do produtor. Na faixa de R$ 100,00, é comparativamente uma melhor escolha do que Mencía LB.
  • Catena Zapata Estiba Reservada: depois de falar bem dos outros dois vinhos, fica difícil adjetivar este. Combine e multiplique aquelas qualidades para ter uma ligeira ideia desta. Boa complexidade no nariz, taninos muito redondos, boa acidez, excelente integração álcool-acidez-madeira-fruta. O que mais posso dizer? Claro, final verdadeiramente looooooongo. E se não bastasse, excelente persistência. Eu tenho dito (não é nenhuma grande descoberta, apenas uma constatação) que a Argentina faz o melhor vinho da América do Sul. Alguns ainda dizem que faz o único. Sem polemizar, Catena Zapata Estiba Reservada faz jus à tradição do produtor. O preço é alto aqui e lá fora. Por USD 60,00, ele bate de chinelo em vários espanhóis de classe. Por esse preço, em sua eventual viagem, é compra certa e dificilmente poderá ser batido. Momentos de puro êxtase para os bacantes presentes, e perdeu quem não compareceu. Um Vinhaço, com "V", vê de vitória. Vê de valeu, Renê!

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